Audiência aponta que tragédia de Brumadinho teve impactos no solo, água, ar, plantas, animais e a vida de quem vive na região

Conclusões científicas obtidas por meio de pesquisas realizadas pelo Comitê Técnico-Científico (CTC) do “Projeto Brumadinho”, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foram apresentadas, nesta terça-feira, 25 de nomvebro, durante Audiência de Contextualização promovida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

A sessão, referente ao caso do rompimento das barragens da Mina do Córrego do Feijão, da mineradora Vale, ocorrido em 2019 em Brumadinho), reuniu pesquisadores e professores da UFMG, assim como moradores atingidos pela tragédia.

Foram realizadas seis apresentações, que abordaram, entre outros temas, “Impactos das mudanças no uso e cobertura do solo”; “Impactos ambientais”; e “Impactos em saúde humana”.

Apresentações

“Caracterização e avaliação da população atingida” pelo rompimento da barragem foi a primeira apresentação realizada durante a audiência. Uma pesquisa foi feita em 19 municípios atingidos para avaliação de diferentes impactos decorrentes do rompimento das barragens.

O trabalho foi dividido em quatro áreas de investigação (Brumadinho, Sarzedo, dentro da calha do Rio Paraopeba e fora da calha do Rio Paraopeba), com 30.674 entrevistas domiciliares entre março e outubro de 2022 com 173 perguntas.

A pesquisa, organizada por categorias de impacto, compara diferentes cidades atingidas e informa como cada população vivenciou os resultados do rompimento, segundo as áreas socioeconômica, de segurança, de saneamento, ambiental, de educação e de saúde.

“Em Brumadinho, 12 das 26 categorias de impacto analisadas apresentam relatos de mais de 50% dos domicílios. Na calha do Rio Paraopeba, são 11 das 26 categorias e, em Sarzedo e fora da calha, a incidência de impactos é significantemente menor”, explicou o professor e pesquisador Ricardo Machado Ruiz. 

A segunda palestra do dia foi proferida pela professora Cristiane Valéria de Oliveira, do Instituto de Geociências da UFMG, que apresentou os impactos da mudança no uso e na cobertura do solo devido ao espalhamento dos rejeitos do rompimento das barragens, tanto na sub-bacia do Ribeirão Ferro-Carvão, quanto na bacia do Rio Paraopeba.

“O rompimento tem um aspecto dinâmico. Ele não é uma foto, e sim, um filme. Essa história não ficou congelada no dia 25/1 de 2019. Mesmo com diferentes intensidades, esses impactos mexeram com o equilíbrio ambiental, afetando solo, água, ar, plantas, animais e a vida de quem vive na região”, afirmou a professora Cristiane Valéria de Oliveira.

Em seguida, foi a vez da apresentação da professora Cláudia Carvalhinho Windmöller, do Instituto de Ciências Exatas da UFMG, que falou sobre os resultados de análises químicas de amostras de solo, rejeitos, águas subterrâneas e superficiais, sedimentos e material particulado atmosférico (como poeira), realizadas pelo Centro de Referência Ambiental (CRA), do “Projeto Brumadinho”.

Por meio de gráficos, tabelas e mapas, assim como resultados de testes de lixiviação e solubilização, a professora destacou que foram identificados altos índices de manganês e mercúrio, considerados dois dos principais poluentes gerados pela mineração.

“O manganês chama a atenção por se destacar em todos os estudos (solos, águas e material particulado atmosférico) e por ser mais solúvel em água, podendo ser mais facilmente transportado a longas distâncias. O mercúrio apresentou alta frequência de concentrações acima do valor de referência da qualidade. Mais estudos devem ser realizados”, disse.

O professor Carlos Leal, da Escola de Veterinária da UFMG, abriu os trabalhos no período da tarde tratando do tema “Impactos nas Populações de Animais”, nas regiões afetadas pelo rompimento das barragens.

“Nosso estudo constatou, após coleta em campo de animais de fazendas, florestas e peixes que vivem no Rio Paraopeba, contaminação por metais como mercúrio, que não causam danos aparentes, mas sim ao longo do tempo, a médio e longo prazos. São animais que podem trazer riscos à saúde humana, se foram consumidos”, ressaltou.

Em sua apresentação, a professora Jandira Maciel, da Faculdade de Medicina da UFMG, falou sobre os “Impactos na Saúde Humana” na população das cidades atingidas: “Estudos nos mostram que grande parte da população pode ter sido contaminada com metais pesados, após consumo de animais que também foram atingidos. Constatamos que a população sofreu muitas mudanças no padrão alimentar devido à contaminação do solo, deixando de consumir alimentos saudáveis e priorizando industrializados, que causam doenças como obesidade, diabetes, infarto e hipertensão arterial.”

Com o tema “Impactos Socioeconômicos”, o coordenador do “Projeto Brumadinho”, o professor e pesquisador Ricardo Machado Ruiz, falou sobre os impactos na economia e na sociedade local: “O rompimento trouxe vários impactos econômicos, afetando o mercado de trabalho, o turismo na região, as políticas assistenciais dos Centros de Atendimentos, a questão fiscal dos municípios, entre outros. Com as ações de reparações, o impacto diminuiu, mas ainda é preocupante. Ainda não tivemos uma recomposição da base econômica do município, em função da paralisação da mineração.”

Foram ouvidas ainda cinco pessoas atingidas, uma de cada região que integra da bacia do Rio Paraopeba:

  • Dineia Domingues (Região 1 – Brumadinho)
  • Mara Soares (Região 2 – Betim, Mário Campos, Igarapé, Juatuba, São Joaquim de Bicas e Mateus Leme)
  • Rogério Rocha (Região 3 – Pará de Minas, São José da Varginha, Florestal, Pequi, Esmeraldas, Fortuna de Minas, Maravilhas, Papagaios, Caetanópolis e Paraopeba )
  • Késia Santos (Região 4 – Curvelo e Pompéu)
  • Edinilson da Silva (Região 5 – Martinho Campos, Abaeté, Morada Nova de Minas, São Gonçalo do Abaeté, Felixlândia, Três Marias, Biquinhas e Paineiras)

Segundo Dineia Domingues, os estudos apresentados pelos professores da UFMG mostram o que a população no dia a dia desde o rompimento da barragem:

“É fundamental dar visibilidade às consequências do ato cometido pela mineradora. Temos preocupações com a nossa alimentação, com a nossa sobrevivência. O que ouvimos hoje apresenta uma distância enorme dos estudos apresentados pela Vale. Não podemos consumir muitos alimentos, pois, comprovadamente, estão contaminados. Os peixes sumiram da bacia do Rio Paraopeba, inviabilizando a nossa sobrevivência. Vivemos constantemente sob a égide do medo”, pontuou.

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